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A adoção da Inteligência Artificial (IA) no setor público brasileiro transcendeu a fase experimental, posicionando-se como um vetor estratégico para a transformação digital e a entrega de serviços ao cidadão. Instituições de grande escala, como Serpro, Caixa e Banco do Brasil, têm articulado jornadas intensas que remontam a 2017, visando não apenas à inovação, mas também ao aumento de produtividade e à melhoria do atendimento público. Esta evolução é suportada por planos nacionais ambiciosos, como o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PEBIA), que delineia cinco eixos estratégicos, incluindo infraestrutura, capacitação e IA para serviços públicos. O desafio é duplo: alcançar a excelência tecnológica em um cenário de rápida disrupção e garantir que essa transformação seja ética, inclusiva e soberana.

A estruturação eficaz começa com a definição de estratégias claras, que equilibram a competitividade e o propósito público. Muitas organizações estabeleceram Centros de Excelência (CoEs) em IA e Ciência de Dados, frequentemente vinculados à área de Tecnologia, mas com forte ponte para o negócio. A capacitação contínua é fundamental para a democratização da IA, permitindo que todos os empregados, desde a ponta até a alta liderança, utilizem as ferramentas de forma coerente e compreendam os riscos associados. Programas como a "Jornada de IA Serpro" e as trilhas de capacitação da ENAP/MGI visam formar dezenas de milhares de servidores, combatendo a barreira da falta de pessoal especializado e garantindo o letramento digital necessário para a transformação.

Tecnicamente, a governança de IA e dados é a base da sustentabilidade. Sistemas no setor público trabalham com volumes massivos de dados sensíveis e classificados, exigindo rigorosos protocolos de conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A governança precisa ser by design, integrada ao ciclo de vida da solução, desde a prospecção (como o modelo Ética by Design do Serpro ou a matriz Prisma do BB) até o monitoramento pós-implantação, que deve ser contínuo e perene para mitigar vieses algorítmicos e garantir a rastreabilidade das decisões. O Framework de Ética em IA do Governo Federal, alinhado aos princípios da OCDE, estabelece diretrizes para a avaliação de risco (excessivo, alto, médio, baixo) e a necessidade de supervisão humana efetiva, mesmo em decisões automatizadas.

A soberania digital é um pilar estratégico que demanda infraestrutura robusta. O volume exponencial de dados, comparado a um "tsunami tributário", excede a capacidade humana, tornando os sistemas de IA um filtro e uma bússola. Isso exige investimento constante em hardware de alto desempenho (GPUs, HPCs) e infraestrutura que suporte o processamento pesado de Machine Learning e Inferência. Há um esforço coordenado para construir uma "IA soberana" brasileira, incluindo o desenvolvimento de Grandes Modelos de Linguagem (LLMs) treinados em português com dados nacionais, garantindo que o processamento de dados restritos permaneça no território nacional, em conformidade com regulamentações como a IN 05/08 do GSI.

No campo da IA Generativa, a racionalização de recursos é essencial. Grandes Modelos de Linguagem (LLMs) exigem infraestrutura e geram custos de inferência contínua, tornando a escolha de modelos uma decisão de eficiência. O Serpro LLM, por exemplo, foca no fornecimento de Small Language Models (SLMs) ou modelos de médio porte (abaixo de 20 bilhões de parâmetros) que, em muitos casos de uso, demonstram eficácia comparável aos modelos maiores, mas com um custo e demanda de memória significativamente menores. Uma técnica crucial para injetar conhecimento específico de domínio em LLMs sem o alto custo de Continuous Pre-training (CPT) ou Fine-Tuning é o Retrieval-Augmented Generation (RAG). O RAG utiliza modelos de embedding e bases vetoriais para enriquecer dinamicamente o prompt do usuário com contexto relevante, permitindo que a LLM responda com precisão a consultas sobre documentos internos ou bases de conhecimento fixas.

As aplicações técnicas no governo são diversas e complexas. Sistemas de visão computacional e biometria, como o serviço de Liveness, são cruciais para a autenticação contínua e a prevenção de fraudes de Deep Fake, um desafio crescente que exige o constante retreinamento dos modelos e curadoria humana para identificar novos padrões de ataque. Na Receita Federal, a IA é empregada para análise de redes, clusterização, seleção preditiva de contribuintes e suporte à autorregularização, otimizando o trabalho do auditor e a assertividade fiscal. Adicionalmente, a análise comportamental em logs de sistema e acessos, utilizando IA para detecção de anomalias, cria uma camada robusta de cibersegurança, identificando comportamentos atípicos que poderiam ser vetores de ataques de engenharia social.

Em suma, a IA na administração pública brasileira é caracterizada por uma complexa articulação entre alta tecnologia e responsabilidade social. O sucesso não reside apenas na adoção de modelos de ponta, mas na capacidade de construir uma infraestrutura de governança que trate o dado com qualidade, assegure a soberania tecnológica e racionalize os investimentos. O caminho futuro envolve a consolidação de LLMs especializados (como o modelo especialista em Diário Oficial da União em desenvolvimento no Serpro) e a expansão de plataformas que democratizem o uso da IA por todos os desenvolvedores e áreas de negócio, garantindo que a tecnologia sirva ao propósito final de um Estado mais inteligente, empático e humano.